Thursday, November 15, 2007

A originalidade da Teoria de Suicidio de Classe de Cabral

No artigo anterior, mostrei que Cabral não foi – e nunca deve ser considerado – como “fotocópia de Lenine.” Voltando a peça de de Pina (“Tell me no Lies”), ainda que recheada de uma prosa lírica, caracteriza-se, infelizmente, por falhas em termos de dados históricos. De Pina considera que “a própria formula ‘suicídio da pequena burguesia’ (de resto, uma idea absurda, porque a tendência da burguesia é, por definição, buscar mais riqueza) … tem uma origem marcadamente soviética.” Ve-se que existe um certo desentendimento teórico, já que se confunde alhos com bugalhos, como diz o lusitano. Primeiro, assim como o lumpen-proletariado não é sinónimo do proletariado, a pequena burguesia (e aqui, entendo bem que estou essencializando a definição da “pequena burguesia”) não é e nem deve ser entendida por burguesia. A qualificadora “pequena” é mais do que um simples adjectivo. Tal palavra não qualifica a burguesia, mas, pelo contrário, serve para demarcar uma classe totalmente distinta. O que distingue entre estas duas classe é a posicao relativa aos meios de produção. No quadro da sociedade colonial de Cabo Verde e da Guiné-Bissau (e de resto da África colonial), não existia uma burguesia nacional, detentora do capital físico e financeiro. Existia, antes, uma classe de pequena burguesia, devidamente analisado por Cabral em “Breve Análise.” Esta classe é inerentemente esquizofrénica já que ambula no manequeismo do mundo colonial. Na análise proposta por Franz Fanon ou mesmo por Albert Memmi, a pequena burguesia caracteriza-se por um complexo de superioridade em relação ao “nativo” e as massas, e, ao mesmo tempo, sente-se inferior em relacao ao “colono.” Cabral, no entanto, reconheceu a falta de homogeneidade sócio-política desta dita classe. Pelo contrário, no seio desta classe, poderia constatar-se uma secção reaccionária, pró-colonial, uma grande secção apolítica, , e uma outra secção revolucionária. É em relação à esta última secção que Cabral considerou o “suicídio de classe” como conditio sine qua non para a formação daquilo que designa “nação-classe,” isto e, a formação de uma frente unida entre a pequena burguesia e as massas no combate arduo e difícil contra o colonialismo. Sendo a sub-cultura da pequena burguesa caracterizada pelo egoismo, individualismo exorbitante, “conspicuous consumption,” e arrogancia, existe uma necessidade política de tal classe suicidar-se através de um processo de “regresso às origens” e a identificação com os objectivos e desejos da população subjugada. Como tal, “suicídio de classe” implica a identificação com a cultura local – e subsequentemente a rejeição parcial da cultura colonial. Isto significaria um certo “amor à camisola”, pois, dentro do sistema colonial, conformismo da pequana burguesia foi sempre tido como um meio de atingir um certo status social e um nível de vida acima de outros nacionais. Amilcar Cabral, em si mesmo, personaliza a própria teoria de suicídio de classe. Numa sociedade colonial estreitamente estratificada e hierárquica, Cabral poderia simplesmente optar por uma vida conformista. A formação académica garantiria-lhe conforto, estabilidade sócio-económica e mesmo uma vida de sucessos. Mas ele optou pelo caminho da “negação” (no sentido proposto por Agostinho Neto) e a rejeição de uma vida simples e tranquila na cidade colonial em troca de uma vida de teórico e practicante da libertação.

É de referir também que tão soviética é a teoria de suicídio de classes que quando foi apresentado pela primeira vez em Havana em Janeiro de 1966, na Conferência Tricontinenal dos Povos de África, Asia e America Latina, mereceu o destaque da dita conferência e a admiração de Fidel Castro, permitindo o estabelicemento de relacões diplomáticas entre o PAIGC e a Cuba, do qual a primeira beneficiou grandemente.

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