Monday, November 05, 2007

As Verdades e as Deturpações Históricas: O Presentismo de Alguns


Já foi reconhecido por alguns escritores da tendência do homem acreditar sempre que a sua geração é sempre o apogeu do desenvolvimento cultural. Tal “presentismo,” caracterizado por um essencialismo temporal ao qual o que é de hoje supera o passado, muitas vezes atrapalha o verdadeiro entendimento do processo histórico e, ipso facto, obsfuca a própria compreensão do presente. A história é, e deve ser entendida, em função do tempo dos factos – relativismo temporal – e nunca em função de anacronismos baratos. De modo a evitar tais arrogantes erros de observar o passado através das lentes microscópicas “presentistas,” é preciso ter em mente que o “homen é filho do seu tempo,” ainda que alguns têem capacidades “avangardistas” e conseguem introduzir pensares e acções não fácilmente compreendidas por seus coevos.

É deste “presentismo” que Casimiro de Pina, num artigo recentemente publicado no jornal Expresso das Ilhas (“Tell me No Lies”), faz uso para criticar, falaciosamente diga-se de passagem, a obra do fundador das nacionalidades caboverdiana e guineense, Amílcar Lopes Cabral. Este artigo é dividido entre três partes. Na primeira parte, mostro que, contrário do que de Pina acredita, existe uma diferença abismal entre Amílcar Cabral e V.I. Lenine (ou a escola marxista de uma forma genérica). Depois, na segunda parte, corrigo alguns dados historicos fundamentais que, a meu ver, ou foram simplesmente neglegenciados ou a busca de arquivo não foi assim tão extensiva. Finalmente, na última parte deste artigo, faço uma análise entre Amílcar Cabral, a história e moderna crise de participação política em Cabo Verde. Que se começe com o primeiro ponto.

Foi mencionado acima o conceito de “presentismo.” O que interessa para este artigo é o que se pode designar de presentismo pós-Guerra Fria. Sabe-se hoje que o sovietismo foi um fracasso total: a economia soviética não passava de uma “aldeia Potemkin,” aparentando-se forte mas sendo de facto um gigante com pés de barro. Do lado da política, sabe-se hoje da verdadeira “securocracia,” sustentada por um “arquipelago de Gulag” (Solzhenitsyin), que controlova os países para além da “cortina de ferro.” Mas esquece-se que tais informações nunca foram assim tão disponíveis. As informações sobre a Rússia communista, durante o período da Guerra Fria, vinham sempre de uma forma propangadista: positiva (quando vinda da Rússia) e negativa (quando provinha do ocidente). Mas de resto, a realidade sócio-política era desconhecida por estrangeiros – ou mesmo da propria população, por causa do extremo controlo das mídias. Nem mesmo os sovietólogos ocidentais, acadêmicos extremamente atentos ao desenvolvimento de fenómenos sócio-políticos na Rússia, sabiam,de facto,o que passava na Rússia comunista – daí que foi uma surpresa geral a queda do regime entre 1989-1991. Isto para mostrar que, não dispondo de imagens reais do que se tratava o comunismo soviético, a tentação de qualquer nacionalista do terceiro mundo nos anos 60 e 70 é de admirar a URSS e os seus líderes. A admiração por Lenine (ou pela USSR) foi um sentimento típico de grande número de líderes da “geografia da fome” (isto é, o então chamado “Terceiro Mundo”) e Cabral apenas segui o zeitgeist. Isso, acho ser de fácil explicação: em menos de duas gerações, a Rússia passou de uma sociedade típicamente campesina e aristócrata a uma superpotêntia global. É neste sentido que se deve compreender a relativa simpatia que Cabral nutria por Lenine e pela antiga URSS (para além do facto desta potência ter facilitado ajuda logística, armamentistica e diplomática à causa nacionalista – claro que a URSS tinha lá os seus motivos que iam mais na direcção de um realpolitik do que simples idealismo internacionalista). Pode-se então argumentar que existia, isso sim, uma admiração instrumentalista por Lenine, isto é, como forma de guarantir o apoio material e diplomático de Kremlin (e não uma admiração cega como o artigo de Pina assume).

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