Monday, November 05, 2007

Cabral e Lenine: Diferencas Cruciais


Dito isto, voltemos ao artigo de de Pina. Ali é considerado (e cito) que “o pensamento de Amílcar é, practicamente, uma fotocópia das teses de Lenine.” A primeira interpretacao a fazer aqui, ainda que não explicitamente indicado por de Pina, é que Cabral foi um intelectual fajuto, um fraude, que não passava mais do que um “xeroz”, onde os textos produzidos por Lenine eram simplesmente convertidos em teoria cabraliana, sem originalidade nenhuma. Expostas de uma maneira diferente, a lógica mantida por de Pina é seguinte: Cabral, fotocópia de Lenine, e, ipso facto, um marxista-leninista, e como tal, as suas ideas foram directamente importadas da escola de Moscoso, através das Obras Completas de Marx, Engels e Lenine. A primeira questão a ser levantada é: “o que é ser um marxista-leninista?” É aquele que simplesmente se declara como tal, ou aquele que faz uso da terminologia típica desta escola de pensamento, ou aquele que faz uso da metodologia materialista? Demonstrando que Amílcar Cabral nunca foi um marxista é um bom caminho para mostrar que Cabral não é fotocópia de Lenine.

Primeiro, Cabral, em tempo nenhum, afirmou sendo um marxista. Tendo sido um homem de extrema coragem, transparência política e frontalidade (ou simplesmente “sem papas na língua”), teria declarado como um marxista caso o fosse. Não duvido que quem tenha afirmado apoiar as forças do Viet-Cong perante o Congresso norte-americano (mais concretamente perante The House Committee on Foreign Affairs, liderado pelo congressista Charles Diggs) no auge da guerra de Vietname, tenha receios de mostrar a sua identificação ideológica. Cabral, caso fosse um marxista, o teria afirmado. Pelo contrário, Cabral, como grande intelectual que foi, sempre rejectou reducionismos ideológicos, isto é, simples actos de impor rótulos a personagens e grupos históricos. Se há que impor rótulos, pode-se, com Cabral, identificar-lo como um nacionalista lutando pela libertação do seu povo.

Segundo, o uso de terminologia marxista, contrário do que alguns arguem falaciosamente, não implica total e cega aceitação do credo marxista. Assim como fazer uso do vocabulário da democracia política (como muitos fazem nas nossas ilhas) não faz ninguém um democrata, tão pouco o uso da metodologia e terminologia marxitas fazem de alguém um marxista. Por outras palavras, falar de “estado de directo,” “democracia”, “libertades individuais,” entre outras palavra-chaves que passaram a ser “kontu nobu” (como diz o badiu) no pós-Guerra Fria, não o faz ninguém um democrata. Um marxista não só usa a teoria como aposta as suas acções em direcção a um objectivo final, preconizado pela intelligentsia ou pela literatura daquela escola. Cabral, de facto, fez uso da terminologia marxista. Quem o leu sabe que sim. Ele fala “relações de produção,” de “modo de produção”, entre outros codinomes da escola marxista. Mas ao mesmo tempo ele escreve conceitos que contradizem o marxismo. Os escritos dele revelam conceitos como a “nação”, “nacionalismo”, “pan-africanismo,” e mesmo da “cultura,” conceitos que, oriundos da escola liberal, minam o o internacionalismo marxista ou a própria teoria de “falsa consciencia” (a cultura como sendo valores e ideas inculcados nas massas pela classe dominante de modo a perpetuar a sua posição hegemónica). Mas nem o uso destes conceitos faz de Cabral um liberal. Ele foi sim um grande e “um simples [nacionalista] africano.” É dentro destes parâmetros é que se que se deve criticar Cabral.

Terceiro, existe um abismo teórico e práctico entre Amílcar Cabral e V. I. Lenine. Desbruçar sobre cada aspecto dessa diferença abismal equivale escrever uma “dissertatio,” missão impossível aqui – falta de espaço. No entanto, como “food for thoughts,” é de considerar as seguintes questões: 1) de ponto de vista teórico, qual é a classe motora da revolução em Lenine e em Cabral? A mesma classe? 2) Como a história é construida em Cabral e em Lenine? Da mesma forma? 3) Qual é a função do “lumpen-proletariado” no processo da revolução sócio-política em Cabral e Lenine? 4) E do campesinato? 5) E o papel da pequena burguesia? 6) Qual é a diferença entre “suicídio de classe” e a dita “dictadura de proletariado,” tese central do Leninismo? 7) E sobre a estratégia e táctica da guerra revolucionária? Acreditando que Cabral é copia de Lenine implicaria que as respostas, àquelas questões, seriam as mesmas em Cabral e em Lenine. Infelizmente tal não e o caso.

Ainda é importante lembrar que a teoria de Lenine constitui, em si mesmo, uma metateoria, querendo e visando impor-se em qualquer situação histórica humana, sem referência alguma aos particularismos e condicionalismos locais. Hoc opus hic labor est. A filosofia política cabraliana rejeita categoricamente tais imperialismos ideológicos. O local subrepõe o global, e só uma análise microcosmica pode permitir não só a busca da origem dos problemas políticos e económicos como também de subsequentes soluções. O fulcro do pensamento cabraliano assenta no conceito de “realidades concretas.” E quem aposta nisto rejeita o dogmatismo ideológico em favor da flexibilidade, de maneira que a teoria e a práctica possam sempre andar de mãos dadas (em vez de um abismo entre eles). Cabral rejeitou categoricamente a importação e adaptação de ideológias estrangeiras, ainda que tais ideologias pareciam funcionar nos outros países. Pelo contrario, a análise das realidades concretas ditou a acção revolucionária do PAIGC sob Cabral. E isto vem de uma longa tradição, talvez por causa da sua profissão como engenheiro agrónomo que permitiu Cabral manter sempre em contacto com a realidade, com a verdadeira situação das massas – em particular do campesinato (nisto vide os levantamentos agronómicos da Guine dita portuguesa nos anos 50). Para sublinhar a importância da dita realidade concreta, Cabral escreveu que “eu posso ter a minha opinião sobre vários assuntos, sobre a forma de organizar a luta, de organizar um Partido, opnião que aprendi, por exemplo, na Europa, na Ásia, até mesmo talvez noutros paises de Africa, nos livros, em documentos que li, com alguém que me influenciou. Mas não posso pretender organizar um partido, organizar uma luta de acordo com aquilo que tenho na cabeça. Tem que ser de acordo com a realidade concreta da terra.” Um outro líder qualquer seguiria o caminho mais fácil que é exactamente o de copiar o modelo produzido por outros. Aqui pode-se distinguir entre a excepcionalidade e a vulgaridade de liderança. Cabral foi excepcional exactamente por optou por o caminho da originalidade, o caminho de muito e árduo trabalho.

Quanto a falta de originalidade teórica de Cabral, faço uso das palavras de Mustafah Dhada, acadêmico que estudou profundamente a história da luta armada na Guiné-Bissau. Assim, Mustafah considera que Cabral “was no ideological simpleton. Nor was he empty inside, and thus prone to regurgitate thoughts borrowed but not fully integrated within. He was not a prisioner of an instable, unoriginal internal frame of mind, restlessly moving from one set of fleeting ideas to another” (Warriors at Work, pp. 56). Poderia aqui citar mais acadêmicos, que estudaram atentamente a vida e obra de Cabral. Mas quem leu Cabral seriamente, ainda que não concorde com as ideais que ele promoveu, sabe que “copiador” ele não foi.

1 comment:

Valdemar Monteiro said...

um cusa ê respondi textos e argumentos di otos articulista di doutrina contrário sima n' ta pensa ma foi intençon di artigo di casimiro.
oto cusa ê poi em causa factos variados, e por sinal de maior orgulho pa qualquer criolo qui ta orgulha na se Nacionalidade.

hoji, calquer criolo di geraçon pós-independência minimamente curioso co sé stória sabi ma Cabral foi muto más qui quel frase decorado e sem sentido qui nu tinha qui flaba na scola "Nasceu na Guiné, estudou em Cabo Verde com mais camaradas fundou PAIGC".

Agó política, disputas de partidos pa ganha eleiçon, ê oto cusa, e nada ca tem a ver co homem Cabral e ca nu metel na meio sob pena di cai na ridiculo.

Por ultimo, dja ê altura di assuntos sérios ser tratado di manera sério.
Cabo Verde dja tem um Universidade e temas sima queli e co quel nivel de abordagem sima apresentado li debi ser debatido ê la. Queli ê especialmenti pa nhos: Nhonhas co Djassi

Vavá