Monday, June 30, 2008

“Clandestino”? Quem?

Lendo os jornais de Cabo Verde (Liberal Cabo Verde, A Semana, ambas versão online) sobre uma centena de Africanos, encontrados à deriva nas águas de Cabo Verde é incrível como aceitam sem mínima crítica o rótulo de “clandestinos.” Tal palavra já penetrou no vocabulário jornalístico de tal maneira, que ninguem pára para pensar sobre o verdadeiro significado de tal palavra.


Para mim, tal palavra além de mostrar uma grave insensibilidade e de ser politicamente incorrecta – que eu saiba jornalistas também seguem uma deontologia – claramente distorçe a realidade social dos certos “brothers” Africanos. Os que decidem partir de África em direcção à Europa não foram, não são e nem nunca serão “clandestinos” – ainda que a mídia internacional (diga-se occidental) teime em usar tal rótulo.


“Clandestino,” do latin clandestinus, é definido nos diccionários de língua portuguesa como qualquer acto “feito às ocultas; em segredo; recôndito” Visto de qualquer maneira possível a imigração destes brothers – como dos que vieram antes ou mesmo dos que virão – não tem mínimo de secretismo. Entrar e permanecer numa determinada comunidade política sem seguir as normas legais não faz de ninguem um “clandestino.” A situação legal irregularizada não é um sinónimo de clandestinidade. Grande número dos que optam ir à Europa na condição irrelugar (isto é desprovidos de elementos legais para entrada e permanência) lá desembarcam em pleno luz de dia – muitas vezes com sucesso. Assim sendo, muito mais vezes que menos a entrada no “Fortress Europa” não é secreta – lê-se clandestina.


É bem fácil de saber o ponto de partida das navegaçoes que transportam tais grupos. Também não é assim tão díficil prever a população alvo, isto é, aqueles que estão mais próximos de optar pela incerteza do infinito azul, com a esperança de alcançar uma vida melhor.


A acção de imigrar sem portar de determinados items formais e legais, antes de ser um acto clandestine, é mais um acto de rebeldia, um grito mudo contra o status quo. É deixar todos a saber que se existe um paraíso na terra, é um direito de qualquer humano de procurar atingir tal lugar. Num outro sentido, talvez simplificada, é-ser um cidadão global, portador de um direito inalienável de transitar e de se fixar em qualquer parte do mundo – a escolha do portador deste mesmo direito. Usando um palavrear bastante comum nos nossos tempos, diria que ele apenas fez uso do seu direito de voto com os pés.


Uma vez em Europa é que a verdadeira batalha acontece. O imigrante em condição irregular sabe que pode ser abordado a qualquer momento pelas autoridades e tal como pode definer o destino dele. Ao mesmo tempo sabe que não pode ficar escondido. Sabe que tem que ir à luta, à procura de meios de existência. Assim sendo, ele opta por uma vida social limitada, mas no entanto não clandestina. Ele não passa vida num secretismo absoluto, só porque o passaporte dele (quando houver) falta um certo carimbo. Pelo contrário, como um “survival,” sabe que a vida dele e de outros tantos que ficaram atrás depende da sua capacidade em manipular o sistema social europeu e poder tirar proveito do máximo possível da riqueza gerada no velho continente.

Tal indivíduo não é mais do que uma moderna versão de Robin Hood, expropriando a riqueza dos ricos (os “have”) e distribuindo para os “have-not.” Naturalmente, ao contrário de Robin Hood, a expropriação de riquezas no Norte é feita não à custa de uso ou ameaça de uso da força, mais antes pelo uso da força braçal. Com os braços suporta a ele mesmo, e também as comunidades que atrás ficaram e que em ele investiram, e dele esperam melhores condições.


(Imagens retiradas de BBC Online)

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